A Dona Maria [as pessoa]

A Dona Maria [as pessoa]

 

A Dona Maria num gostava que quarqué um oiasse as prantação dela, não. Ela falava que uns tinha o zói runh’, as pranta aniquilava, ô até murria. Dicerto ela num achava qu’eu tinha zói runh’ não, porque ela gostava de me mostrá, contá os nome que eu num sabia, contá pra quê que era bão, se fosse de remédio, lembrá onde arrumô as semente ô as muda... O quintal’ era grande, e ela vivia pelejano pa capiná ele intero, mais inquanto ela limpava um eitim, o mato já ia tomano conta do resto.

O caus é que o prazo era pôco pra cuidá do que era dela, porque toda hora... e até fora de hora mesmo... vinha gente de toda banda, chamano pra’acudi muntos tipo de nicidade: desde ajudá cuzinhá quélz tachada de trem nas festas de Santos Reis, até cortá o imbigo dos minino que tava nasceno. A Dona Maria era pau pra toda obra! A farinha de míi qu’ela torrava... vinha gente de longe pra incumendá! Tinha um açuca de remédio, depurativo, feito cuma coisera de raíiz e de foia; uma parte tirada ali do quintal’ mesmo, o resto buscado longe, nas pirambera e nas saroba. O velamim do campo era um que num pudia fartá nesse açuca. E o trem ficava gostozo dum tanto, que até quem num tava pricisano cubiçava intorná uns punhado na mão e saí cumeno. Ela fazia esse açuca pra quem pricisasse, e ai de quem falasse im pagá! Ela ficava numa brabeza, que só veno! Quando munto ela aceitava que desse o açuca que gastava.

O café na casa da Dona Maria ficava torrado, e na hora de cuá que muía... Lembro d’eu muê pra ela cuá... aquêl’ chero bão saíno do munh’... o baruiím que fazia de muê... Dipois eu bibia o café que ela ofiricia, sinão ela ia levá a mal’... Eu num tinha custume cum café, bibia conforme a casa, pra num parecê que tava fazeno pôco caus.

Tinha dia que a Dona Maria num tava munto guapa não, aí ela falava: hoje eu tô impé por honra da firma! Lembro de iscutá ela falano isso, e de vê que ela tava assim com ar cansado, os zói pesado... umas veiz era tussino... ôta ora cramano arguma dor... e tava lá, carçada caquela butina das mais baratinha, andano pra-lá-pra-cá, na lida, vistino uns vistido discorado, limpim dimais da conta, de curpim, sempre de manga e bateno no mei da canela...

De veiz-im-quando, o povo via que tava pricisano, cumbinava e fazia um mutirão pra limpá o rego d’água pra Dona Maria... Mais era bão fazê de treição, pra ela num ficá falano que num pricisava... Aí, pegava ela disprivinida; na hora que ela via, xingava êlz tudo de tudo quanté nome, falava as do resto... Só-que-tem-que esse era o jeito dela – eu penso – de mostrá que tava achano bão!... tava satisfeita, não só por caus do sirviço que tava pricisano fazê mesmo, mais de vê qu’êlzs importô... Só veno mesmo, pra intendê a diferença... de quando ela tava xingano era de achá bão; e quando ela tava braba mesmo. Penso que aquele palavriado era que ficava seno mais a língua da Dona Maria mesmo; era o rompante dela! Era o jeito disimbestado de falá, só dela mesmo. Quando ficava braba, ela falava o que bem intindia, e todo mundo tinha que botá o rabo intremei as perna; ninguém tinha corage de botá a cara c’u’ela... arrespeitava!

Era cunhicida como Maria do Niceto, mais eu tenho cá cumigo que ficava mais certo era chamá o Sô Niceto de Niceto da Maria... A num sê mesmo pela questão desse nome Maria, naquele tempo, sê munto ripidido, dano lado pra confundi cum ôtas Maria. Porque, seno questão de importança... de fato, o sô Niceto era bão dimais pa tá ca gente, ninguém tinha quexa ninhuma dele, mais a Dona Maria é que era bichareda mesmo! Quem sabe se era o caus de falá desse jeito: Maria do Niceto (pra num cunfundi cum ôtas Maria); e Niceto da Maria do Niceto (pra intendê qualé dos dois que cabava seno mais ispicial’, alí pro povo do Corgo Alegre e das redondeza).

(Florisa Brito)

 

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