A Madrinha Maria [as pessoa]
A Madrinha Maria [as pessoa]
Eu lembro... uns até pudia querê me currigi, falá que num era desse jeito, e eu num ia podê temá... Mais lembro da Madrinha Maria al’ta, magra, c’um vistido claro, pareceno que esse vistido tinha sido dôta cor, antes de tê sido lavado e cuarado muntas veiz... mei cumprido, de manga, num era rodado não. Ela sentada cons braço cruzado, perto duma mesa bem grande na cuzinha... Na casa dela custumava tê cuaiada... Lá, eu gostava de cuaiada.
Tinha um terrero grande na casa dela, cum galinha de tudo quanté jeito: índia, galisé, ródia, nanica... tamém tinha pato, ganso, piru, angola... Numa varanda, assim ritirada do que era a casa mesmo... num sei se aquilo incostado pudia sê, asveiz, um paíó... nessa varanda ficava o tiar (a vovó falava tial’, nóis falava tiar). N’aquêl’ tiar, a Madrinha Maria ticia umas cuberta bunita... e ticia ôtas coisa tamém.
Ela custumava ficá munto tempo calada (o Padrim Ataíde era mais cunversadô)... só-que-tem-que a caladeza dela num era aquela, assim, cumo quem num tava importano cum nada, não... era uma caladeza de quem iscuta, de quem tá ali, junto... cumo se tivesse dizeno coisa boa, mesmo sem falá nada. E se ela falava mais poco, num significa qu’eu num lembro do jeito dela cunversá; lembro direitim! S’inda tivesse jeito de iscutá a prosa dela (que num tem mais), eu garanto que cunhicia na hora. Ficô sempre rigistrada na minha lembrança, toda vida...
Uma veiz, eu era piquena, a Madrinha Maria me deu um jogo de xicrinha cum bulim... ingraçadim dimais da conta... só-que-tem que eu isquici lá de fora, lá perto da cisterna (diz-qu’eu larguei, por sê dismazelada)... e tinha uns porco andano por lá e mastigô, istragô tudo – deve tê um monte de trem (num vô dizê brinquedo, porque eu quais que nunca tive)... trem que num istragô, nem nada, e que eu num lembro daquilo de jeito ninhum; das xicrinha e do bulim, e de quem tinha me dado, eu sempre lembro.
(Florisa Brito)
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