A Primera Comunhão do Bejim [foi assim]
A Primera Comunhão do Bejim
É assim que eu lembro da Primera Comunhão do Bejim: o Sô Antõezim... As fia dêl’ é que custumava licioná lá na iscola que ficava na fazenda dêl’; quando uma casava, a ôta ía no lugá... Intão, o Sô Antõezim mandô celebrá uma missa pr’os minino fazê a Primera Comunhão, porque já tinha um punhado passano da hora, que tinha feito sete ano já fazia tempo.
Tinha uma igrejinha lá na fazenda. Às veiz aparicia uns furmiguero lá dento, uns nim de passarim nos caibro, ô até no mei das image de Santo... mais era só limpá, lavá os forro que ia impuerano e incardino... ficava arrumadim. Tinha umas flor de lavá tamém; e punha ôtas de verdade, quando quiria infeitá mais. A porta num era trancada não, quando munto incostava pa ivitá d’arguma vaca entrá...teve veiz que cabô entrano... porque nem num tinha cerca. Os minino, quando vinha da iscola, se quizesse pudia entrá... rezá uma Ave Maria, um Pai Nosso, omeno fazê o Pelo Sinal ô o Nome do Pai. Munta coisa num dava pa rezá não, se não ficava pa traiz, porque os ôto num isperava – naquele trecho do camim, custumava sê munto minino passano duma veiz... lá pa frente é que ia isparramano, pegano os camim de casa.
Parece que o Sô Antõezim tinha uma certa obrigação de fazê isso, quer dizê, de pruvidenciá pa fazê Primera Comunhão, por causa da iscola sê na fazenda dêl’; mais tamém, as veiz é purqu’ tinha arguma promessa de mandá celebrá missa, pur caus’ darguma coisa de munto inpenh’, que num bastava rezá um terço... Intão pruveitava o imbalo e marcava pa fazê a Primera Comunhão. Aí teve até retrato, num sei quem que levô uma kodak... naquel’ tempo quais ninguém num tinha kodak...
Além dos minino que tava fazeno a Primera Comunhão, chamaro uns que num tinha sete ano ainda, pa tirá retrato junto tamém. Na hora que ia batê, in veiz d’eu oiá pa frente, eu fui prestá atenção no que tava aconteceno lá-traiz... e saí com a cara virada (meu cabelo ficô até bunito, falá verdade...). Aí, passava que passava o tempo, na hora de vê os retrato (esse tava lá no mei dos ôto), eu iscutava falá: - Ê, mais é passarôca mesm’... (Ninhum dos ôtos minino tinha saído com a cara pa traiz no retrato.)
Essa Primera Comunhão, quando o Bejim feiz, foi assim: os minino tudo, um por um, tinha que confessá os pecado po padre. Intão tinha de rezá um tanto lá que o padre mandava, de Ave Maria e Pai Nosso (só-que-tem que ninguém num confiria se rezô), pa perduá os pecado. Aí tinha que isperá um pôco pa chegá a hora da missa pr’êlz comungá. Nesse mei de prazo, êl’z foi brincá, porque ficá queto é qu’êlz num ia ficá de jeito ninhum, porque era tudo sem sufrimento. Aí, eu ficava pensano: êl’z num divia sortá esses minino assim, antes da missa; êl’z vai pecá de novo... e num vai tê ôta confissão... É claro que vai pecá, eu pensava... porque tem jeito de pecá até por pensamento, e ninguém dá conta de pará o pensamento hora ninhuma... Pensano bem, sortano ô não os minino, os pensamento continuava disimbestado, num ia diantá mesmo.
Bão... se pecaro por pensamento ô não, cumé qu’eu vô sabê? Mais, qu’eu andei veno uns impurrão, veno uns xingano os ôto... eu vi. Acho munto difice tê ficado, um que seja, sem pecá, já que tudo quantuá era pecado. E comungá cum pecado sem confessá, era pecado traveiz: pecado purriba de pecado. Mais, d’um jeito ô d’ôto, comungaro... e fizero a Primera Comunhão.
Esse foi um dia qu’eu fiquei matinano a ideia... será que tinha jeito de iscapá do inferno... e até, se num fosse querê dimais, iscapá do purgatório tamém?... Pa incurtá a cunversa, tinha jeito de í pro céu? Diz-que pra Deus nada é impussive... Mais eu num tava pensano se era pussive “pra Deus”, que num depende de nada disso... eu tava pensano nas pessoa. In todos caus, naquele dia, a Primera Comunhão era do Bejim... eu num tinha idade pa pecá ainda, porque num tinha sete ano, acho que tinha uns cinco, capaiz... e todo mundo sabia que antes dos sete num pecava, quer dizê, o que fizesse num era intindido cumo pecado...
Porque até os sete ano diz-que os minino era “inucente”; a num sê o pecado original, de quando nascia, e que era currigido com o batismo... e que eu num intindia cumé que pudia tê pecado antes de nascê... andei perguntano, mais num deu certo não... era pecado perguntá de coisa que era mistério... Ôta coisa que eu num fazia ideia, era cumé que pecava por “omissões”, dicerto eu ia cabá pecano por “omissões”, puis, cumé que eu ia ivitá se eu nem num sabia quê que era? Inda bem que, antes de fazê sete ano, era só pa ficá privinido que era pecado, porque num tinha idade pa tê pecado. Seno assim, naquela ocasião, eu inda pudia pensá sem pecá por pensamento... quereno intendê mistério... pensano quê que diantava ixisti céu, se de todo jeito que fizesse num tinha ricurso, ia pro inferno mesmo... o céu era pra quem, intão? Eu pensava... naquele tempo...
(Florisa Brito)
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