Corgo [era assim]

Corgo

 

Diz-que aquêl’ de pertim chamava Corgo do Café. Eu mesm’ num lembro de vê pé de café ninhum na bêra dêl’ não... nem um pa remédio! Parece que na iscritura vinha iscrito esse nome: “Córrego do Café”. Nóis até custava sabê esse nome, porque cabava seno era só “o Corgo” mesmo. Os ôto era o Corgo do Arcide, o do Tãozim, o do Antõezim Sinhana, o da Pontizinha (tamém nunca vi ponte ninhuma lá)... o Riberão... penso que esse num pricisava nome porque falano Riberão já sabia, já que num tinha ôto riberão... E se dos ôto falava os nome, intão, falano Corgo, só, sabia que era aquele ali de pertim.

O Corgo Alegre mesmo, que foi o que sirviu de nome pa Fazenda Corg’alegre, ficava bem mais lá pra baxo, e era fundo e largo; mais do que o Riberão. E isso é confusão dos nome, porque quarqué um sabe que riberão é maió do que corgo, e ríi é maió do que riberão; quer dizê, riberão é dum tamnh’ intrimei corgo e ríi. Agora, midi os tamnh’ ixato pa separá por nome, num tem nem jeito; é só por comparação. Intão, dicerto num foi a mesma pessoa que arrumô os nome do Riberão e do Corgo Alegre, êlz num atinô de trocá ideia, aí ficô assim, às avessa.

E tinha mais corgo ... de certo inda tem, porque corgo, cá pros nossos lado, num é de ficá sumino, nem no tempo da sêca... omenta ô diminui o tanto d’água e fica lá toda vida. Some munta arve, umas casa... os camim... as pessoa, num é dizê que some de verdade, some porque num tá por ali mais... Os corgo não; dicerto tá tudo lá té hoje.

A fazenda Corg’Alegre num quer dizê que era a Fazenda d’um, não. Era um eito de chão que riunia um punhado de fazendinha, de pedaço de terra... e fazenda mesmo, que eu subesse, tinha a do Dotor Fausto e a do João Celero. Essa do João Celero tinha até luzelétrica; parece que vinha vino lá do oco do mundo aquêlz fiu té chegá na fazenda... nem sei da onde que puxô... faço ideia que pudia sê lá da istrada da Pirajuba. Intão, o Corg’Alegre (a Fazenda Corg’Alegre, bem intindido) confrontava com o Chapadão, o Sertãozim... acho que do ôto lado já ia seno a Bucaina... ia dobrano lá pos lado da Pirajuba e do Campo Florido.

Vi contá que, antigamente, dois irmão (acho que era dois), seno um dêlz meu bisavô, se num m’ingano... pode sê que fosse bisavô do meu pai...  comprô o Corg’Alegre intero a trôco dum carro de míi e duma égua parida; eu lembro desse jeito, num posso afirmá a cunversa, porque lembro dos caus pelas metade. Só-que-tem que esse carro de míi, pelo que eu intindi dipois, num era um carro cum míi dento não. Carro era uma midida de num sei quantos balai de míi; era só míi, sem o carro.

Vortano a cunversa do Corgo do Café, que nóis chamava só de Corgo mesmo... êl’ era um corguim piqueno, a cabiçera era mesm’ali... uma mina d’água dent’ da fazenda do Dotor Fausto, que ia omentano no camim, e formava uns pocim bão de pegá bagre; pra quem pescava.  Esse corguim franzino, sussegado... quando chuvia cum fé e vontade, ele virava ôto! Ficava brabo dimais da conta! Té hoje eu lembro do barui que fazia, urrano! Aquilo... as inxorrada ia desceno dos dois lado, e do rumo da cabicera tamém... o corgo ia encheno, derramano, iscorreno purriba dos barranco e deitano aquêlz ramo mais fraco tudo... discubrino as raiz das arve mais de perto... Ninguém falava que era aquêl corguim sem fé de antes da chuva.

Quando isvaziava, a barrela tava preta-mascarada lá na passage... pa passá de-a-cavalo era pió ainda, iscurregano nuns lugá e atolano nôtos... até de-a-pé era facim de pranchiá no barro... Bão mesmo era fazê biquinha d’água cum foia de abacaxi, ô cum ôtas foia, casca de arve, quarqué coisa sirvia... naquelas aguinha que ficava minano dipois da chuva, e que dipois ia secano, sumia... até chuvê traveiz.

Corgo chei é pirigoso! Travessá num convém, principalmente os minino, porque Deus-o-livre pode rodá, afogá... num é bão nem pensá! Leva as breca! Se o corgo tá chei, mió cada um ficá do lado que tá e isperá passá a inchente. Quando a cabicera é pertim assim, passô a chuva que seje, no instantim isvazia, aí é só infrentá o barro. E tamém, a cabicera seno perto, asveiz dá até pa rudiá lá por cima dela pa chegá do ôto lado. Quer-dizê, depende: se tivé de-a-cavalo, purexemplo, e se tivé cerca sem cochete, asveiz tem que vortá dimais da conta até achá saída, inquantisso o corgo até já isvaziô, conforme fô.  Quando a cabicera é ritirada, e também se a chuva fô imendano, aí demora cabá a inchente... asveiz pricisa até caçá poso num cunhicido ali de perto... e o povo incasa vai intendê que o ôto ficô imbarrancado de lá do corgo chei. Inchente é um trem custozo, mais bunito dimais de vê!... e de iscutá!... e bão de brincá dipois, os minino, cas nuvidade dipois da chuva...

(Florisa Brito)

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