ISCOLA [era assim]

Era longe. Longe pra cuais todo mundo. De onde nóis morava, era bem longe. Tinha uns que morava mais longe ainda. E tinha uns poco que morava perto, tanto que nem dava pra pruveitá munto o camim.

Na ida num pudia ficá inventano moda, porque tinha obrigação de chegá na hora. Mais que hora mesm’? Ninguém tinha relógio... nem a professora... na iscola tamém num tinha... Cum’é que sabia a hora? Todo mundo iscutava a hora no rádio antes de saí de casa e carculava o tempo que gastava pra chegá. Rádio toda casa tinha... Que casa que num tinha um radio, nem que fosse dos mais barato... de sigunda mão?

Relógio... capaiz que na casa dos minino do Marico pudia tê, já qu’êl tinha até uma Chevrolet Brasil... Meu pai tinha um relógio, que tinha sido do pai dele... era bunito dimais da conta... daqu’êlz de gibera (era o jeito dêl’ falá qu’era de borso), c’uma correntinha de ficá dipindurada (acho que era de oro... a correntinha  e uns pedaço do relógio)... só-que-tem que num marcava as hora, num diantava dá corda... pode sê que a corda até tivesse iscapulida. Num sei se chegô a cunsertá arguma veiz... só lembro é dêl’ parado.

A hora certa de cumeçá a aula (tinha uns que falava cumeçá a iscola) era quando a professora chegava; a essa artura os minino já tinha tudo chegado, e quais tudo tava pruveitano pra brincá... quem num tinha chegado é porque foi num í mesm’.

A hora de í imbora era marcada pelo sol’... ô por onde andasse a sombra. Fazia uma marquinha, pudia sê no chão, que era ladriado de tijolo, ô na parede... O sol’ entrava pela porta e, conforme ia passano as hora, dava naquêl sinal’... intão tava na hora. É claro que ninguém era besta de sigui uma marca só, o ano intero. Tinha que i mudano conforme a época do ano, purque o rumo do sol’ vai mudano, quarqué um sabia.

A hora de cumeçá o recrei tamém tinha uma marca. Os minino ficava tomano conta do sol’, isperano chegá na marca... só fartava impurrá êl pra incostá na marca... e quando tava cuais, cumeçava perguntá sem pará: pode saí? Pode saí?...

Pra terminá o recrei, parece que era mei da ideia da professora... num paricia que os recrei era tudo do mesm’ tamanh’ não. A professora gritava, ô mandava um minino gritá: tá na hora! Intão era hora de entrá pra iscola... que é onde tinha os lugá de sentá, o quadro... Porque o recrei era lá de fora: tinha o terrero in vorta, arguma arve mais perto, e mais pra lá o cerradim.

Quando era pra í imbora na hora de sempre, num fartava quem ficava vigiano a marca do sol’ e isperano pra perguntá se já pudia i imbora. Tinha também um tal’ de “quem cabô pod’imbora?” Nem sempre pudia. Mais, quando armava chuva (todo mundo prestava atenção se aparicia nuve escura, pesada... iscutava os truvão), a professora sortava mais cedo, pra tê jeito de passá nos corgo antes de enchê; uns poco que num tinha corgo pra passá, saía ganhano. Ganhano, eu falo, porque í pra iscola era bão, mais í imbora, tamém, num tinha quem num achava bão.

(Florisa Brito)

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